sexta-feira, 9 de março de 2012

JUVENTUDE



Tema juventude

13-03-2011 | Keila Bárbara Ribeiro da Silva - Especialista em História Social do Brasil/UFES e Professora de Ciências Sociais
Divulgação

Keila lembra que a participação se constrói diariamente
“O protagonismo juvenil é como uma pedra atirada na superfície de um lago. O efeito do seu impacto se irradia em círculos concêntricos cada vez mais amplos. O ponto de irradiação é a escola, normalmente o primeiro espaço público freqüentado de modo sistemático pela maioria das pessoas. A partir da escola, no entanto, as ações de protagonismo podem se espraiar pelo entorno comunitário da escola, pela cidade, pelo país, pelo mundo. Quando o adolescente decide problematizar e interferir em questões que, à primeira vista, não dizem respeito a pessoas de sua idade, ele está, de maneira efetiva, dando seus primeiros passos no rumo do protagonismo juvenil. Ele está, na verdade, cruzando o rubicão que separa a vida privada da vida pública.” (Gomes, 2000, p.237)

Por falta de uma tradição de vivências democráticas, mesmo apoiados em legislações federais, estaduais e municipais, que asseguram à população a participação nas políticas públicas, não damos a devida importância a esses espaços. Muitas vezes, quando participamos, é mais no sentido de validar sem problematizar as proposições de um grupo ou indivíduo – aquele o qual elegemos como sendo o mais apto, intelectualmente capaz, ou que achamos saber o que é melhor para todos pelo cargo que ocupa. Romper com essa lógica passa por construir cotidianamente experiências democráticas nos espaços formadores das novas gerações, os quais, por excelência são: a família e a escola. Assim, poderemos tirar o modelo de democracia participativa do texto de nossas legislações e as levar para as práticas de nossas ações cotidianas.

É importante lembrar que a participação não pode ser apenas um discurso. Muitos falam da participação dos estudantes na vida política dos anos 60 e 70, mas não se lembram de como os jovens politicamente engajados eram mal vistos naquela época. Criou-se um modelo de juventude idealista participativa, um ideal de protagonismo, que é usado pelos mais velhos para diminuir a atitude da juventude atual. Contudo, naqueles anos dourados, a juventude idealista era vista como transviada, rebelde, e tantos outros termos pejorativos, perseguida, difamada e controlada de perto pelos aparelhos repressores do estado naquele dado momento histórico. Nada mudou, a situação parece diferente, mas é a mesma. A juventude sempre foi e continua sendo vista como uma fase da vida perigosa, da qual se deve desconfiar, que deve ser tutelada, salva de todos os males que pode causar a si e aos outros.

“E nessa formulação, como encarnação de impossibilidades, eles nunca podem ser vistos, ouvidos e entendidos como sujeitos que apresentam suas próprias questões, para além dos medos e esperança dos outros. Permanecem, assim, na verdade, semi-invisíveis, apesar da sempre crescente visibilidade que a juventude tem alcançado na nossa sociedade, principalmente no interior dos meios de comunicação” (Abramo, 1997, p.32)

Essa nossa tradição de saudosismo e busca de eternos heróis impede que vejamos que a postura dos jovens frente aos problemas da coletividade é de certa forma o reflexo das ações, atitudes e relações que o mundo adulto estabelece com a política. Vivemos por parte de alguns o sentimento saudosista dos grandes movimentos juvenis de cunho universalista das décadas de 60 e 70, no entanto o momento histórico é outro e a juventude também é outra. Isso não quer dizer que ela não se interesse pelos problemas sociais e se organizem, mas isso se dá a partir de outras demandas juvenis.

“Se, na década de 60, falar em juventude era referir-se aos jovens estudantes de classe média e ao movimento estudantil, a partir dos anos 90 implica incorporar os jovens das camadas populares e a diversidade dos estilos e expressões culturais existentes protagonizada pelos punks, darks, roqueiros, clubers, rappers, funkeiros etc. Mas também pelo grafite, pelo break, pela dança afro ou mesmo pelos inúmeros grupos de teatro espalhados nos bairros e nas escolas. Muitos desses grupos culturais apresentam propostas de intervenção social, como os rappers, desenvolvendo ações comunitárias em seus bairros de origem.” (Dayrell, 2000, p.14)

As intervenções sociais e políticas protagonizadas pelos jovens desvinculadas de partido ou organizações tradicionais demonstram mais uma descrença dos jovens nessas instituições do que uma falta de engajamento social. Os jovens do nosso contexto histórico, diferente dos jovens das décadas passadas, entram na cena política e chamam “a atenção pelo caráter local de suas ações, articulando-se a partir dos espaços de moradia e de questões relacionadas com a urbanidade, elevando a cidade como espaço e tema preferencial da participação juvenil. "Nessas ações, é possível perceber uma motivação de parcelas da juventude pelo “agir”, indo além da mera denúncia ou crítica, apontando um caminho em direção ao outro, acompanhada pela idéia de responsabilidade e solidariedade. Nessas ações voluntárias, mesmo que ocorrendo de forma fragmentada e instável, parece haver uma antecipação da utopia, anunciando hoje, de forma profética, uma outra possibilidade da vida em conjunto.” (Dayrell, 2000, p.15)

Temos que repensar em nós mesmos a atuação social para darmos o exemplo às novas gerações. Parar o círculo vicioso que desqualifica a atuação juvenil e gera a repetição dos mesmos erros de alienação intencional até o momento em que é exigido deles a participação no sistema político. Tal situação pôde ser vista no impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em que a atuação dos estudantes foi desqualificada, mostrada como espetáculo, com dimensão de festa, sem efetiva politização dos jovens. Os adultos parecem temer a inserção da juventude nos processos democráticos, tolhendo-lhes o exercício da cidadania pela falta de oportunidades. E assim agindo, perpetuam a imagem de que antes o jovem era mais engajado, quando na verdade são as questões que mudaram, e os jovens tiveram que se adaptar a outras formas de expressão. Formas essas que a sociedade engessada da vida adulta não pode acompanhar.

A Participação como aprendizagem permanente

Partilhamos com Leonardo Boff (1997, p.138) a afirmação de que “o ser humano é um ser de participação, um ator social, um sujeito histórico e coletivo de construção de relações sociais o mais igualitárias, justas, livres e fraternas possíveis dentro de determinadas condições histórico sociais”, a despeito de muito discurso proferido pelos ditos especialistas em épocas eleitoreiras e infelizmente por alguns dos nossos profissionais de educação cotidianamente, que afirmam que nossos jovens não participam da vida política e comunitária de nosso país. Aliás, parece pairar no imaginário coletivo de nossa sociedade a associação entre juventude, pobreza e violência, o que acaba por estigmatizar a juventude. Falas e afirmações que os descaracterizam como sujeitos históricos, pensantes, frustram cotidianamente os nossos jovens e podem também estar ligadas a ação/reação, no sentido de que essa descredibilidade e falta de apoio coletivo pode levá-los a duvidar de suas potencialidades e como conseqüência, recusarem-se a participar da vida política e comunitária.

Temos que refletir até que ponto o desinteresse sobre a política institucional, que pairam nos discursos, não são consequência da forma como tratamos nossos jovens, antes de completarem 16 anos e ainda não são eleitores sobre o ponto de vista da legislação. A pergunta é: ensinamos a eles o exercício da participação? Fazemos os exercícios necessários para torná-los eleitores conscientes? Sabemos que a participação é algo que se aprende e constrói cotidianamente, no entanto, quanto temos valorizado os espaços de exercício para a vida democrática no ambiente escolar? Dizemos que os políticos em âmbito nacional são demagogos e incompetentes, mas o quanto são demagogos os candidatos a diretores de nossas escolas, isto é, nos sistemas de ensino onde este exercício democrático é possível! Problematizamos ambos os aspectos com os alunos ou acreditamos que de tanto nos ver e ouvir reclamar do quão incompetente são a gestão da escola e do país, e o pior, continuar mantendo os mesmos caras pálidas como gestores, nossos jovens vão, assim, por osmose, aprender o exercício da vida democrática e mudar o mundo.

“sob circunstâncias estruturais intransponíveis individualmente e a curto prazo, os jovens são cobrados, abstraindo-se as condições de tutela e as contradições de classe, por transformar a sua realidade e por sair do turbilhão fatal em que o mundo neoliberal nos instalou. (...) no Brasil, como em todo o mundo neoliberal, vive-se uma produção de falta de esperança sustentada nas trágicas condições reais de sobrevivência, face às quais se responsabiliza às novas gerações e, nessa medida aos jovens, por transformá-la. Podemos perceber, indo além, que não só existe uma cobrança por uma transformação, mas uma cobrança individualizada, exaltada pelas figuras dos super-heróis com as que se condimenta o cotidiano de todas as gerações, sobretudo no caso das mais jovens.” (Scheinvar e Carrano, 2005, p.193)

Não devemos e nem podemos, nem subestimar nem superestimar o potencial de participação de nossos jovens alunos ignorando os reais limites impostos pela nossa organização escolar que tolhe de formas muitas vezes sutil a participação efetiva dos mesmos. Essa sutileza mostra-se no cotidiano através da não escuta, da não abertura em alguns momentos que são crucias para o melhor entendimento do processo de aprendizado, como nos momentos de conselho de classe, no silenciamento daqueles que vão à contramão dos discursos hegemônicos, na invisibilização dos mecanismos de resistência, pela omissão quando não valorizamos os espaços de exercício para a vida democrática escolar.

Outro ponto fundamental para o exercício da vida democrática é o exercício da representação. O grêmio, por exemplo, é um movimento de alunos, ora tutelado, ora visto como um vilão em grande parte de nossos sistemas de ensino. Da mesma forma a eleição para representante de turmas é vista como algo que pode dar muito trabalho, pois os alunos tendem a escolher os mais baderneiros para os representar, e com esse argumento, vez por outra, delega-se aos profissionais da escola indicar o nome dos representantes alegando que os alunos não sabem qual é o perfil de um líder. E o que dizer das reuniões do Conselho de Escola, onde os representantes dos alunos não abrem a boca e sequer são instigados a levar as demandas do seu coletivo.

“A democracia, elaboração coletiva e permanente, deve começar na família, mas é sobretudo na escola que o seu exercício se torna uma exigência inarredável dos novos tempos. As relações entre educadores e educandos e destes com seu entorno sócio-comunitário são fundamentais para a incorporação das virtudes democráticas (...)” (Gomes, 2000, p.141)

Entendendo nossos alunos como sujeitos partícipes do processo de ensino, poderemos avançar na qualificação da participação dos alunos nesse processo. Não se pode esperar que eles tenham uma boa relação com a escola se essa não os respeita como indivíduos. A eles deve ser mostrada a importância de sua participação no processo de ensino para seu próprio desenvolvimento enquanto cidadãos. Para isso, é fundamental pensarmos na formação política desses, pois a participação é um processo contínuo, que envolve acreditar em sua capacidade de ação, que se aprimora a partir da qualificação.

Bibliografia:

ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: ANPED, n.º 5 e 6, 1997.

BOFF, Leonardo. A Águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes, 1997.

COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Protagonismo Juvenil: adolescência, educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000.

DAYRELL, Juarez. Juventude e escola. In: SPOSITO, Marília. Estado do conhecimento: juventude. Brasília: INEP, 2000.

DAYREL, Juarez e GOMES, Nilma Lino. Juventude no Brasil: questões e desafios. Disponível em: . Acesso em Agosto de 2009.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. História da Cidadania, (orgs). São Paulo: Contexto, 2003.

SCHEINVAR, Estela e CARRANO, Paulo César. Aproximações aos jovens do Brasil. Disponível em: . Acesso em Agosto de 2009.

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